Eu sou uma mulher que quer ter filho, mas não consegue. Talvez vocês nem imaginem, mas há quatro anos (ou 53 ciclos) travamos uma batalha contra a infertilidade. Uma luta dura, desgastante emocional e financeiramente, que nos fez ingressar num universo que nos era totalmente desconhecido - como acho que seja para a maioria de vocês.
Para uma mulher que não consegue engravidar, dói - e até dá um pouquinho de raiva - saber que a Bela Gil recomenda cortar lactose, glúten e "subir escadas" para "preservar a fertilidade". É óbvio que uma alimentação saudável e a prática de exercícios contribuem para quase tudo nessa vida. Mas me parece óbvio também que ela nunca conviveu com uma mulher com problemas sérios de fertilidade e que esse não é o campo de expertise dela.
Nos últimos quatro anos nossa jornada foi muito longa, com muitos exames, consultas, remédios, hormônios, injeções, tentativas e tratamentos mal sucedidos. E muita tristeza e frustração. Não vou entrar em detalhe de todos os tratamentos pelos quais passamos, caso alguém tenha interesse depois posso explicar melhor.
Resolvi escrever isso (e ainda não sei se enviarei) porque acho que precisamos nos empoderar sobre a fertilidade. Perdi minha virgindade aos 18 anos e vou ao ginecologista regularmente desde os 16 - o que fará 18 anos em março próximo. Nunca, em tempo algum, as médicas conversaram comigo sobre questões de fertilidade. Eu nunca achei que poderia não engravidar. Para mim tratamento de fertilização in vitro era coisa de casal que aparecia na Caras. Bastaria parar a pílula e alguns meses de tentativa para que eu tivesse o primeiro dos meus 3 sonhados filhos.
Mas a vida me deu uma porrada mostrando que não é bem assim. E eu - falo por mim apenas, que fique claro - gostaria de ter sabido antes sobre as minhas possíveis dificuldades. Gostaria de ter podido me preparar para a infertilidade, de ter pensado nisso antes, de ter tido a possibilidade de, quem sabe, decidir começar as tentativas antes dos 29 anos ou até mesmo de optar por congelar meus óvulos.
O meu problema é o que chamam de "baixa reserva ovariana" ou ainda "falência ovariana precoce". Já ouviram falar sobre isso? Pois eu nunca tinha ouvido até receber o diagnóstico depois de quase dois anos de investigações. Quando nascemos, nossos ovários já vêm "carregados" de milhões de folículos que, ao longo de nossas vidas, serão liberados mensalmente transformando-se em óvulos. Com o passar dos anos, essa reserva vai se esgotando e, no meu caso, está se esgotando um pouco mais rápido do que a maioria das mulheres de minha idade. Isso pode ser um indicativo de que eu vá entrar na menopausa precocemente.
Embora ainda não tenha entrado - tenho ciclos regulares e menstruo todos os meses há quatro anos desde que parei a pílula - minha reserva de folículos já está próxima do fim. Não existe um exame que diga exatamente qual é o tamanho da sua reserva, mas é possível estimar se ela é baixa ou não por meio da dosagem de um hormônio chamado anti-mulleriano. Ele é um indicador de que minha reserva está próxima do fim e que, por isso, meus folículos já não apresentam a mesma qualidade. É como se meu ovário tivesse envelhecido precocemente e fosse equivalente ao de uma mulher mais velha do que eu. E não se sabe o porquê disso - pode ser simplesmente genético ou fruto de alguma intervenção cirúrgica. Os médicos que me examinam sempre perguntam se eu fiz alguma cirurgia no ovário - como não fiz, conclui-se que seja genético, embora não haja histórico sabido de problemas de fertilidade entre as mulheres de minha família.
Enfim, o universo da infertilidade tem muitas variáveis e muitos fatores e não pretendo aqui falar sobre isso. Há tempos que penso em mandar esse email, mas reluto sempre por não querer causar nenhum tipo de "pânico".
O que eu gostaria de fazer é sugerir que pensem mais sobre fertilidade, conversem com seus ginecologistas ou outros médicos, com seus parceiros, se houver. Estamos todas em uma faixa etária em que é preciso falar sobre isso, mas ninguém fala. Penso que parte disso ainda é fruto de um patriarcalismo tão arraigado que sequer discute a possibilidade de uma mulher não conseguir engravidar. Esse é o papel dela e ponto. Nem mesmo os médicos me parecem enxergar de outra forma. E nem estou aqui pensando nas mulheres que não querem ter filhos.
Me entristece ver como a questão é um tabu. Não é mesmo fácil falar, mas acho que não precisaria ser tão difícil assim.
Foi por querer o bem de vocês e por achar mesmo que precisamos falar sobre isso, que resolvi escrever. A última intenção do meu relato é assustar ou ofender alguém. Espero de coração que não se sintam assim. Meu "alerta" é porque não desejo que ninguém passe pelo que estou passando.
Nos últimos quatro anos tive altos e baixos. Tive fases longas de não querer sair de casa para não encontrar ninguém que pudesse me fazer uma pergunta sobre o assunto. Talvez não tenham percebido, mas deixei de ir a alguns eventos ou, quando fui, me forçando a continuar vivendo, fui embora mais cedo ou fiquei me sentindo muito mal. Comecei a fazer terapia, coisa que nunca tinha feito nos meus 33 anos - não por desacreditar, mas por não ter sentido mesmo necessidade. Hoje posso dizer que estou numa fase um pouco mais serena. Mas só um pouco mesmo, porque para quem sempre sonhou em ter filhos e ama crianças como eu, a infertilidade é um pesadelo constante.
Envio abaixo algumas sugestões de leitura para quem tiver interesse. E me coloco à disposição para detalhar mais os processos, caso alguém queira.
Regras de etiqueta para a infertilidade ou o que não dizer para uma mulher que tenta engravidar
22 coisas que todo casal cisgênero deveria saber sobre fertilidade
Como a idade afeta a fertilidade feminina
Teste: mitos e verdades sobre a fertilidade
Guideline para abordagem da infertilidade conjugal da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana
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Escrevi essa carta depois de ter tido um encontro com cerca de 15 amigas muito queridas e de longa data em que, claro, o assunto gravidez surgiu. Dessas 15, apenas três têm filhos e uma está grávida. Todas têm mais de 30, sendo que a maioria tem mais de 35 anos, algumas inclusive já mais perto dos 40. Dado momento, começaram a falar dessa orientação da Bela Gil, o que acabou me irritando. Mas eu, claro, como sempre, fiquei calada, fui na cozinha pegar uma coisa pra beber, fui fazer xixi torcendo pro assunto acabar. E escrevi o texto acima, que ainda não decidi se mando ou não.